Os amputados posicionavam-se na caixa de espelho de tal modo que visualizavam a imagem de sua perna remanescente (no caso a esquerda), como se fosse a perna amputada. Os expérimentos solicitavam que mentalizassem movimentos da perna amputada de modo a imitar os movimentos feitos com a perna existente. Reproduzido de Brodie et al.(2007)
Como se livrar dos fantasmas? A outra parte não resolvida é que não se consegue tratar as percepções fantasmas. Tentou-se de tudo: acupuntura, emprego de analgésicos e anestésicos locais no coto, psicoterapia, cirurgia para a remoção das extremidades dos nervos do coto, transformadas às vezes em pequenos tumores, medicamentos de ação central no cérebro, estimulação elétrica ou magnética do cérebro. Nada deu certo.
Foi quando Ramachandran, em 2000, propôs um tratamento engenhoso que acendeu as esperanças para os amputados. Ele pensou o seguinte: se o cérebro interpreta como braço a ativação da região cerebral correspondente porque aprendeu assim durante toda a vida, por que não tentar reeducá-lo, para que “se convença” de que aquela parte do corpo não existe mais? O aparato proposto para “reeducar” o cérebro foi uma simples caixa com um espelho, defronte ao qual o indivíduo realizava uma série de movimentos com o braço remanescente. Este era visto ao espelho como se fosse o braço ausente, pretendendo-se com isso que o cérebro imitasse mentalmente, para o braço amputado, os movimentos feitos para o braço existente. Ramachandran relatou algum sucesso com essa terapia, mas um estudo mais controlado feito recentemente pelo pesquisador Eric Brodie, do Departamento de Psicologia da Universidade Caledônia de Glasgow, na Escócia, trouxe mais dúvidas do que certezas. Brodie e seus colaboradores reuniram 80 amputados do membro inferior, de ambos os sexos e diferentes idades, e os submeteram a um aparato com espelho à maneira de Ramachandran (ver figura acima). Cada amputado realizava 10 movimentos reais com o membro existente, repetidos 10 vezes, e ao mesmo tempo 10 movimentos imaginários com o membro ausente, também repetidos 10 vezes. Depois respondiam a questionários para avaliar se suas sensações fantasmas haviam se modificado. Em um aspecto, os resultados foram negativos. Os participantes, em conjunto, relataram diminuição nas sensações fantasmas, inclusive a dor. Só que o grau de melhora relatado não foi diferente do que indicaram os experimentos de controle, nos quais os amputados posicionavam-se na caixa, mas sem o espelho. Um efeito placebo, provavelmente. O lado positivo foi que os amputados testados no espelho tiveram maior número de sensações de movimentos realizados pelo membro ausente (movimentos fantasmas) em relação aos controles. Os pesquisadores foram otimistas em sua interpretação geral dos dados do experimento. E se as sensações de movimento pudessem ser provocadas pelo pensamento dos amputados? Nesse caso, melhoras talvez pudessem ser obtidas se os amputados fossem educados a imaginar movimentos fantasmas com o membro ausente. Uma terapia diferente, baseada na imaginação! TERAPIA POSTA EM PRÁTICA
Foi quando Ramachandran, em 2000, propôs um tratamento engenhoso que acendeu as esperanças para os amputados. Ele pensou o seguinte: se o cérebro interpreta como braço a ativação da região cerebral correspondente porque aprendeu assim durante toda a vida, por que não tentar reeducá-lo, para que “se convença” de que aquela parte do corpo não existe mais? O aparato proposto para “reeducar” o cérebro foi uma simples caixa com um espelho, defronte ao qual o indivíduo realizava uma série de movimentos com o braço remanescente. Este era visto ao espelho como se fosse o braço ausente, pretendendo-se com isso que o cérebro imitasse mentalmente, para o braço amputado, os movimentos feitos para o braço existente. Ramachandran relatou algum sucesso com essa terapia, mas um estudo mais controlado feito recentemente pelo pesquisador Eric Brodie, do Departamento de Psicologia da Universidade Caledônia de Glasgow, na Escócia, trouxe mais dúvidas do que certezas. Brodie e seus colaboradores reuniram 80 amputados do membro inferior, de ambos os sexos e diferentes idades, e os submeteram a um aparato com espelho à maneira de Ramachandran (ver figura acima). Cada amputado realizava 10 movimentos reais com o membro existente, repetidos 10 vezes, e ao mesmo tempo 10 movimentos imaginários com o membro ausente, também repetidos 10 vezes. Depois respondiam a questionários para avaliar se suas sensações fantasmas haviam se modificado. Em um aspecto, os resultados foram negativos. Os participantes, em conjunto, relataram diminuição nas sensações fantasmas, inclusive a dor. Só que o grau de melhora relatado não foi diferente do que indicaram os experimentos de controle, nos quais os amputados posicionavam-se na caixa, mas sem o espelho. Um efeito placebo, provavelmente. O lado positivo foi que os amputados testados no espelho tiveram maior número de sensações de movimentos realizados pelo membro ausente (movimentos fantasmas) em relação aos controles. Os pesquisadores foram otimistas em sua interpretação geral dos dados do experimento. E se as sensações de movimento pudessem ser provocadas pelo pensamento dos amputados? Nesse caso, melhoras talvez pudessem ser obtidas se os amputados fossem educados a imaginar movimentos fantasmas com o membro ausente. Uma terapia diferente, baseada na imaginação! TERAPIA POSTA EM PRÁTICA
Uma considerável redução da dor fantasma crônica foi obtida pela terapia de imaginação de movimentos. Modificado de McIver et al. (2008). A idéia foi imediatamente executada por outro grupo britânico, no Instituto de Pesquisas sobre Dor, de Liverpool. O grupo, liderado por Kate McIver, mobilizou 13 amputados de membro superior com fortes dores fantasmas, treinando-os durante seis semanas a imaginar movimentos com o braço ausente. Antes do treinamento, eles haviam verificado por neuroimagem que a representação dos lábios havia invadido o território cortical que devia representar o braço amputado, como já se sabia. Após o treinamento, os pacientes relataram uma diminuição significativa da intensidade da dor fantasma, e a imagem cerebral revelou a redução da “invasão” pela representação dos lábios. Esses trabalhos têm, é claro, um significado prático relevante para o tratamento das sensações fantasmas que acometem os amputados. Mas têm também um significado mais conceitual, relacionado aos “poderes da mente”. A maioria dos neurocientistas acredita que o cérebro determina a mente – a famosa visão monista de tradição materialista. Mas os experimentos com as terapias imagéticas recolocam em pauta o outro lado dessa questão: a mente pode também “determinar” o cérebro, no sentido de que o pensamento, a imaginação e o exercício mental são capazes de fisicamente modificar os circuitos neurais e a representação das funções no cérebro. A natureza nos surpreende, mais uma vez.
Roberto Lent Professor de Neurociência Instituto de Ciências Biomédicas Universidade Federal do Rio de Janeiro
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