4 de jun. de 2011

Por que o brasileiro não leva o Congresso a sério



Na última sexta-feira, o Brasil amanheceu com mais uma notícia que reforça a sensação de descrença da população em relação aos políticos: o deputado federal Tiririca – o mais votado do país nas últimas eleições – usa dinheiro da Câmara para empregar humoristas do programa A Praça é Nossa, do SBT. Em reportagem de 1998, VEJA mostrava os motivos pelos quais os brasileiros têm tanta dificuldade em confiar no legislativo. Mais de uma década depois, o Congresso segue na lama, sempre com a credibilidade em baixa e casos que escandalizam o país:
Em VEJA de 30/9/1998: Por que o Brasil desconfia dos políticos
Alceste, Cleonâncio, Enivaldo. Se você tem pouca ou nenhuma familiaridade com esses nomes, tudo bem. Eles são deputados que, durante os quatro anos do mandato que agora se encerra, só se notabilizaram pelo pouco que fizeram. Não são os três piores políticos da Câmara, mas com certeza estarão presentes em qualquer lista de deputados fracos da atual legislatura. Além da troca excessiva de partidos, da inatividade ou do nepotismo, eles não desempenham nenhuma função de relevância — não são negociadores nem debatedores, não articulam votações nem servem de bússola para formação da opinião pública.
O que aconteceu depois:
Mais de uma década após a reportagem de VEJA, a credibilidade do Congresso brasileiro segue em baixa. E, tendo em vista as sucessões de escândalos envolvendo parlamentares, não é para menos. Nos últimos anos, os deputados e senadores protagonizaram um festival de irregularidades com recursos públicos: venda ilegal de passagens aéreas da cota parlamentar, fraudes no gasto da chamada verba indenizatória e nomeações de afilhados políticos por meio de atos secretos. No final do ano passado, VEJA revelou um esquema de destinação de emendas individuais para entidades-fantasma, numa operação cujo objetivo final, suspeita-se, era transferir o dinheiro do contribuinte para o bolso dos próprios congressistas.
Entre 2006 e 2009, três ex-presidentes do Congresso perderam o cargo por envolvimento em casos de corrupção, fraudes e irregularidades variadas. O senador Antonio Carlos Magalhães, que já morreu, usou sua autoridade para permitir, entre outras coisas, a violação do sigilo do painel de votações. O senador Jader Barbalho se aproveitava das prerrogativas de presidente para obter vantagens financeiras, por meio das quais conseguiu acumular uma vistosa fortuna. O senador Renan Calheiros, o último a deixar pela porta dos fundos a presidência, mantinha uma rede de amigos empreiteiros para todo tipo de obra, inclusive bancar suas despesas pessoais. Em 2009, José Sarney por pouco não escorregou da cadeira de presidente do Senado – foi salvo graças à intervenção direta do ex-presidente Lula. O senador se viu na berlinda em meio a uma séries de denúncias de nepotismo, contratos superfaturados, atos-secretos, contratação de fantasmas e benefício de familiares. O caso provocou uma grave crise no Legislativo do país.
Tendo o Congresso se transformado em uma terra sem lei, o que se vê não são apenas abusos de poder – mas também casos escabrosos de corrupção. Em maio de 2005, reportagem de VEJA mostrou um diretor dos Correios em uma gravação de vídeo recebendo propina e narrando em detalhes o funcionamento de uma estrutura clandestina de arrecadação de dinheiro. O Congresso instaurou uma comissão parlamentar de inquérito e, a partir dela, desvendou-se uma enorme rede de corrupção envolvendo gente graúda do governo, parlamentares e empresários. O esquema, batizado de mensalão, arrecadava dinheiro em empresas públicas para subornar deputados.
No ano seguinte, a Polícia Federal desbaratou uma quadrilha na operação chamada Sanguessuga – cujo montante do roubo alcança 110 milhões de reais, na compra de mais de 1.000 ambulâncias para prefeituras de seis estados. Os sanguessugas agiam no Congresso Nacional, aliciavam parlamentares para incluir emendas de compra de ambulâncias no Orçamento, prefeitos para montar licitações dirigidas e funcionários do alto escalão do governo para liberar rapidamente o dinheiro a ser pago pelas ambulâncias.
Em 2010, os brasileiros tiveram a chance de mudar a cara do Congresso. Mas o resultado das eleições mostrou que os eleitores creem, de fato, que “pior do que está não fica”. No começo deste ano, tomaram posse figuras como o ex-jogador Romário (PSB-RJ), o ex-pugilista Popó (PRB-BA), o ex-BBB Jean Wyllys (PSOL-RJ) e o ex-presidiário Chico das Verduras (PRP-RR) – que deixou o cárcere um dia antes da votação do ano passado e foi eleito com 5 903 votos. Além, é claro, de 71 parlamentares que conseguiram se reeleger apesar de enfrentar processos ou inquéritos no Supremo Tribunal Federal. Ainda que se ignore essa seleção que dispensa comentários, não é possível dizer que o restante dos candidatos eleitos representa completamente os eleitores – nem ao menos que eles foram escolhidos com algum discernimento pela maioria dos cidadãos votantes.
Pesquisas indicam que 70% dos brasileiros não conseguem se lembrar do nome do candidato em quem votaram para deputado na última eleição. A melhor saída para corrigir essa distorção seria a implantação do voto distrital, em que cada região escolhe um representante no Parlamento. Além de aproximar o eleitor do eleito, o sistema aumenta a possibilidade de a população fiscalizar o trabalho de seu representante e acaba com o efeito Tiririca.

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