8 de jan. de 2010

Cabral culpa autoridades e elite e está cansado de gestores tipo Raul Seixas


O governador do Rio de Janeiro, Sergio Cabral, diz a ÉPOCA que tragédia em Angra dos Reis é resultado de 40 anos de omissão
RUTH DE AQUINO

"Tragédia de Angra teve a cumplicidade de autoridades e elite, com 40 anos de omissão", disse o governador do Rio, Sergio Cabral, em entrevista exclusiva para ÉPOCA. Cabral promete demolir milhares de casas em Angra dos Reis e na Baixada Fluminense, acelerar a remoção de favelas em área de risco e brigar pela formalidade na habitação, com dinheiro do Estado e do Programa de Aceleração Crescimento (PAC), do governo federal. E com a ajuda de técnicos especialistas: "Estou cansado de gestor tipo Raul Seixas, que acha que nasceu há 10 mil anos atrás e não há nada neste mundo que ele não saiba demais".

Ana Branco/ Agencia O Globo
LOCAL DA TRAGÉDIA
No dia 2, Cabral visitou o Morro da Carioca (foto), na região central de Angra, e a área em que ocorreu o deslizamento na Ilha Grande
ÉPOCA Por que não foram tomadas providências antes em Angra e Ilha Grande?
Sérgio Cabral – São 40 anos de ocupação irregular nas encostas e berço de rios em todo o Brasil. Pessoas morando em lugares impróprios. Com a cumplicidade das autoridades ao longo das últimas décadas. No Rio de Janeiro, além da ocupação urbana, existe o poder paralelo do crime em comunidades em áreas de risco. É o caso de comunidades no Grande Rio.

ÉPOCA O que o seu governo vem fazendo?
Sérgio Cabral
– É um trabalho que a gente começou no Estado e quebrar essas pasmaceira não é simples. Quando anunciamos o muro na Rocinha, por exemplo, houve uma gritaria, mas agora se vê bem que não era muro de Alemanha oriental versus ocidental, nem de judeu versus palestino – só queríamos evitar a expansão em encostas, impedir mais crime ambiental e social. Hoje são mais de 400 residências sendo removidas na Rocinha. E as áreas sendo transformadas em parques para uso da comunidade. No morro Dona Marta, estamos fazendo a conversão de áreas precárias em novos edifícios, e vai ser um padrão de exemplo espetacular, mais o muro, e o acesso com elevador. Com ajuda do PAC, a retirada de pessoas de áreas degradadas já começou no Alemão e em Manguinhos. Fizemos 3.600 desapropriações. E tudo isso custa muito dinheiro. Mas ninguém está parado. Na Baixada, só do governo do Estado gastamos R$ 400 milhões em obras de dragagem e retirada da beira do rio. Se juntar todas as prefeituras da região, os gastos vão a R$ 1 bilhão. Vamos pedir mais R$ 600 milhões ao Lula para concluir. E demolir mais cerca de 2 mil casas na Baixada.
ÉPOCA E em Angra? Não houve negligência?
Sérgio Cabral – No caso de Angra, a cumplicidade da elite e dos políticos, ao longo dos últimos 30 anos, deixou a cidade daquele jeito. Angra passou por uma enorme efervescência econômica com a usina nuclear, o terminal da Petrobras, depois a usina acabou a obra e a indústria naval entrou em decadência. Começou uma favelização gigantesca. Com a costa deslumbrante de mais de 100 km, ricos entraram e, junto, todo o setor de serviços: zeladores, caseiros, pedicures, com ocupação irregular nas encostas. Em 2002, fui tentar recursos no último mês de governo do Fernando Henrique. Eu ainda era senador. Tinha havido 40 e poucas mortes na região. Aquilo é realmente a crônica de uma tragédia anunciada. Agora, pelo menos, estou encontrando eco no prefeito e vamos demolir talvez 1.000 casas ali em Angra. Será um marco, garanto. Nos reunimos com empresários e autoridades. Vamos mudar isso.

ÉPOCA Por que a tragédia foi tão grave em Angra e Ilha Grande?
Sérgio Cabral – Angra tem o terceiro maior índice pluviométrico do país, comparável ao da Amazônia. Choveu ainda mais do que o normal nessa época. E o solo é poroso, solo de mata atlântica. Não sou geólogo, nem meteorologista, nem especialista, mas, ao sobrevoar com o ministro Geddel (da Integração), vimos na Ilha Grande várias áreas intactas, cobertas de mata atlântica e que, mesmo assim, vieram abaixo com os temporais. Isso nos leva a crer que não dá para construir sobre rocha nem na base de matas intocadas, como foi o caso da pousada Sankay. Temos que ouvir mais os especialistas. Mas não dá para construir sobre rocha, sem afastamento. Ou seja, construções assim não colocam em risco a mata, mas quem está morando nela ou se hospedando ali. Não vamos impedir tragédias naturais, é claro, mas precisamos reduzir ao máximo a perda de vidas.

ÉPOCA Qual seria sua prioridade agora, após essa tragédia?
Sérgio Cabral – A UPP (pacificação das favelas com combate ao tráfico) gerou um otimismo na população, acendeu luz no fim do túnel, mostrou que é possível melhorar onde ninguém acreditava mais. Quero aproveitar essa momento dramático para mostrar que é possível fazer uma política séria de habitação, em vez de permitir ocupações irregulares em nome de uma suposta defesa demagógica de moradia popular. Quero brigar pela formalidade. A informalidade existe no Brasil inteiro em todos os setores – habitação, segurança, transporte – e isso é prejudicial para todos.

ÉPOCA Seu decreto assinado em junho passado para a região de Angra e das ilhas também foi criticado. Disseram que favoreceria ocupações em encostas.
Sérgio Cabral – Decreto não passa por cima de lei. E a lei proíbe construções em áreas de risco: encostas, manguezais e rochas. O novo decreto pretende regularizar o uso do solo, trazer para a formalidade empreendimentos que nem passaram pelo licenciamento, atribuir responsabilidades a quem tem, obrigar a regenerar áreas nas Zonas de Conservação de Vida Silvestre, impedir invasões. Mas vamos todos conversar, esclarecer, chegar a um consenso. O presidente do Inea (Instituto Estadual do Ambiente), Luiz Firmino, um craque, participou de todo o processo e tudo o que faz é pautado pelo desenvolvimento sustentável e responsável. É um absurdo aproveitarem a tragédia em Angra para culpar um decreto que nem sequer entrou em vigor.

ÉPOCA O senhor foi muito criticado por não aparecer no local do desastre no dia primeiro, estando em Mangaratiba, perto dali.
Sérgio Cabral – É. Antigamente, a população via governador conduzindo sequestro de ônibus. Eu estava lá por meio dos 150 homens do corpo de bombeiros muito bem equipados, equipados com verba do Estado de R$ 100 milhões, eu estava lá na figura de meu secretário de Saúde, Sergio Cortes, e o vice-governador Pezão. A cada 10 minutos falavam comigo no telefone. Para tomar as devidas providências, pedir ajuda, liberar barco, liberar estrada, ligar para o presidente Lula. No primeiro dia do ano, eu não tinha diagnóstico nem o que dizer para a população. Às 8h da manhã do dia 2, lá estava eu com uma perspectiva de encaminhamentos. Não adianta o governador aparecer logo para fazer figuração, sem eficiência. Graças a Deus este é um governo bem avaliado pela população e isso é o que importa. Quanto mais bem avaliado, mais críticas acontecerão. Estou cansado de gestores do tipo “Raul Seixas”, do tipo “Eu nasci há 10 mil atrás/ E não há nada nesse mundo que eu não saiba demais”. O que eu não sei eu deixo nas mãos de especialistas e técnicos que sabem mais do que eu.

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