É impossível falar de Beatles sem pensar em como a banda revolucionou a cultura ocidental nos anos 60. Em como os quatro rapazes de Liverpool dominaram a música durante a década mais fervilhante já vivida pela humanidade. Eles ajudaram a alterar as roupas, os penteados, a atitude e sobretudo impuseram um "novo som" à sociedade de consumo, ainda em estado nascente. Como notou um crítico daquele tempo, os Beatles afrontaram a chatice de um mundo dividido entre capitalismo e comunismo, regido por comportamentos repetitivos e pelo medo da hecatombe nuclear. O "new sound" se fez ouvir pela primeira vez em outubro de 1962, com o lançamento do compacto simples que trazia as canções "Love me do" e "P.S. I love you". Até agosto de 1969, quando se encerraram as gravações de seu décimo segundo e último disco, Abbey Road, a banda empurrou o rock'n'roll para uma evolução inaudita, graças ao "new sound". E os Beatles estão de volta ao mercado, com um novo "novo som".
Amanhã, dia 9 de 9 de 9, chega a todas as praças do mundo a primeira edição da discografia da banda britânica totalmente remasterizada - além do game The Beatles: Rock Band. O lançamento da gravadora EMI traz os 12 álbuns de carreira dos Beatles e um CD duplo intitulado Past Masters, com 33 faixas raras. Todo esse material está à venda acondicionado por elegantes embalagens digipack, fotos inéditas e textos analíticos. No fim de cada disco há um minidocumentário que pode ser assistido pelo computador. O trabalho de remasterização (equalização, eliminação de ruídos, faixa a faixa) aconteceu nos estúdios Abbey Road nos últimos quatro anos, sob a coordenação de Allan Rouse, bem como a participação do produtor George Martin - o "quinto Beatle" - e os engenheiros de som Guy Massey, Steve Rooke, Paul Hicks e Sean Magee. Segundo o músico Paul McCartney - sobrevivente dos Beatles, ao lado do baterista Ringo Starr -, nunca o som dos Beatles foi ouvido de forma tão nítida.
Em 1987, os doze LPs britânicos Beatles foram passados para o CD, mas sem um trabalho cuidadoso de equalização. A ideia era padronizar o legado dos Beatles a partir dos lançamentos britânicos, e assim encerrar a polêmica em torno dos discos americanos, cheios de alterações, como inclusão de singles e alteração da ordem das faixas. Essa foi a parte boa: hoje temos a discografia dos Beatles consolidada. Mas os engenheiros dos anos 80 não tinham os recursos de hoje, e se limitaram em aumentar o volume do som para se adequar ao formato digital. O resultado foi péssimo: as nuances de dinâmica, timbre e altura se perderam em nome do som mais intenso, como aconteceu, aliás, na primeira fase de relançamentos de LPs e 78 rpm de catálogo para o CD. A ideia dos três remanescentes do grupo mais Yoko na época
Assim, os LPs dos Beatles ainda continuaram sendo por vinte anos como a referência para os audiófilos mais exigentes. Agora, prometem os engenheiros de som, será possível ouvir mais de perto os masters originais, quase como se o ouvinte estivesse diante das imensas caixas acústicas do estúdio Abbey Road.
Quase, porque Paul McCartney, Ringo e os herdeiros concordaram em não avançar demais na inovação. Ainda não é hora, acham, de colocar o ouvinte diante dos masters, e isso seria possível com o lançamento do material em blu ray ou outro formato digital de ponta. Como também, segundo eles, ainda não chegou o dia de vender os arquivos musicais dos Beatles pela internet. A EMI não vai comercializar a edição em nenhum site legal. Os compradores poderão transferir as faixas para seus tocadores de mp3 - e o resultado, afirma Allan Rouse, será melhor. "Ouvir uma faixa em um iPod é como fazer uma cópia xerox do original. Agora pelo menos a cópia é um pouco mais nítida."
Quem se acostumou a escutar os CDs dos Beatles vai sentir a diferença. A impressão que os novos 525 minutos fornecem é de estar um bem mais perto da sensação que Lennon, McCartney, Ringo, George Harrison e George Martin tiveram ao ouvir o resultado final de cada master. São instrumentos que vêm à tona, como o pandeiro de Ringo, efeitos que se perderam com o overdub, a dimensão esquecida do baixo poderoso de McCartney e os vocais, sempre eles, expressivos, quase beatos em relação à mensagem que a banda queria passar, a mensagem da liberdade e do amor, até hoje válida, penso eu.
LUÍS ANTÔNIO GIRON
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