O desfile das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, como estamos acostumados a ouvir desde criança, "é uma das maiores festas do mundo." O som da bateria, o luxo das fantasias, a ousadia dos carros alegóricos, enfim, aquela coisa toda. Mas às vezes você não fica com a impressão que os sambas-enredo andam todos parecidos?
Eles parecem seguir uma fórmula - para começar a compor, basta juntar as palavras "índio", "emoção" e Sapucaí". E então "deixa a imaginação te guiar." Não é difícil
Mas às vezes os compositores exageram na criatividade. E frases surreais vão parar na avenida, na boca do povão, que talvez nem se pergunte o que diabos significam aqueles versos.
Nós, da Redação do Yahoo!, resolvemos tentar analisar os 12 sambas-enredo do Carnaval do Rio. Alguns são bacanas - seguem um roteirinho bem estabelecido e, até por não tentarem ousar muito nas rimas, acabam se tornando de fácil memorização. Outros são pura "viagem."
O escritor Alberto Mussa, coautor do livro "Samba de enredo: história e arte" (Editora Civilização Brasileira, 238 páginas, preço sugerido R$ 34,90), apontou os sambas-enredo da Imperatriz Leopoldinense e da Vila Isabel como os mais bonitos. Nós preferimos o da Mangueira. Em um ponto, concordamos: enredo "patrocinado", como o da Grande Rio, é o verdadeiro "túmulo do samba"
Leia antes de ir para a Sapucaí - ou antes de se atirar na poltrona. Os desfiles ocorrem no domingo (14) e na segunda-feira (15).
A primeira escola a desfilar no domingo é a União da Ilha, que vai levar para a avenida um dos livros mais bacanas de todos os tempos: Dom Quixote de la Mancha, de Miguel de Cervantes. Os autores do samba-enredo listaram todos os personagens: o escudeiro Sancho Pança, a amada Dulcinéia e até o pangaré Rocinante. Os moinhos de vento também estão lá. Mas precisavam usar o verso-padrão "Delira o povo de alegria"?!?!
A Imperatriz Leopoldinense é a segunda a entrar na avenida e a primeira a citar o personagem predileto do Carnaval da Sapucaí: o índio. O tema são as crenças dos brasileiros. Tupã, o deus indígena, não poderia ficar de fora. Todo ano ele aparece, aliás. Na opinião do escritor Alberto Mussa, este é um samba que tem tudo para fazer bonito na avenida. "A letra não é feliz, mas a melodia é bonita. E esse tema 'Mar de fiéis' foi uma boa escolha."
"Segredos" é o tema da Unidos da Tijuca. De fato, o significado do samba-enredo parece guardado a sete chaves por seus autores, a julgar pelos seguintes versos: "Desvendar esse mistério é caso sério, quem se arrisca a procurar o desconhecido, no tempo perdido, aquele pergaminho milenar, são cinzas na poeira da memória e brincam com a imaginação." Se eles querem manter o segredo, vamos respeitar. Mussa acha uma escolha arriscada. "É muito vago."
Já a Viradouro vai homenagear o México na Sapucaí. Seu samba-enredo tem toques de novela mexicana, como o verso "a dor da saudade vou festejar". Ficamos aqui na dúvida sobre o que leva uma pessoa sã a celebrar tamanho infortúnio. Mas como o refrão fala em tequila, o melhor é esquecer e beber. Arriba!
O Salgueiro canta a "magia da leitura". Como todo samba-enredo que se preze, as principais rimas terminam em "ão" - qualquer criança sabe que são as mais fáceis na hora de compor. Uma palhinha: "É o hábito de ler, folheando com prazer, muito além de uma visão, mensagem de esperança, clareando a imaginação."
A Beija-Flor fala de Brasília. Mas só as coisas boas da capital federal. Nada de escândalos - nenhuma menção a político, com exceção de Juscelino Kubiscthek. Em compensação, "tupã", "jaci", o Egito e até um "pássaro sagrado voando no infinito azul" estão na letra. E tudo isso em volta do Lago Paranoá.
A Mocidade abre o desfile da segunda-feira cantando a procura pelo paraíso. E sabe quem está no samba-enredo? O índio. Sempre ele. A letra começa falando do Éden, o paraíso terrestre. E depois diz "se tentar me taxar, mando depositar em outro continente." Talvez seja por isso que o refrão fale em "Meu coração vai disparar, sair pela boca, não dá pra segurar, paixão muito louca."
Na disputa pelos versos mais surreais, a Porto da Pedra é séria candidata à medalha de ouro. A escola canta a história das roupas. Até aí, tudo bem. Mas como explicar isto aqui: "Há muito tempo o homem deu no couro / encontrou esse tesouro / de roupa resolveu chamar / Mas eis que o objeto do desejo / Na magia do lampejo, se aproximou de Deus / O tempo é uma roda que não para / Quando a razão se fez mais clara / A humanidade renasceu!" Tudo isso a partir da retirada do couro das vaquinhas?
O mundo digital é o tema da Portela. A escola da águia viaja longe. "Num clique deleta barreiras / deleta fronteiras da realidade / desperta o bem social / acessa o amor digital." Tomara que não "trave" na avenida.
A Grande Rio canta o Carnaval. Lindo. Mas o tema oficial do samba-enredo é: "Das arquibancadas ao Camarote nº 1, um Grande Rio de emoção na apoteose do seu coração." Camarote nº 1? O que é isso? Propaganda subliminar de cerveja? Bom, se você ainda tem dúvidas, olhe a primeira frase do refrão: "Grande Rio, eu sou guerreiro." Precisa dizer mais alguma coisa? "É uma coisa muito, muito triste, e, sinceramente, não acho que seja uma exposição boa para as empresas. Acaba tornando o desfile algo extremamente antipático, porque a pessoa não vai cantar com a mesma empolgação um samba que fala em 'camarote número 1' e 'eu sou guerreiro'. Isso parece óbvio pra mim", diz Alberto Mussa, o nosso especialista em sambas.
A Vila Isabel homenageia Noel Rosa, um dos maiores sambistas de todos os tempos. A letra cita passagens e personagens de algumas de suas composições mais famosas. E tem uma palavrinha que não é muito usada nos dias de hoje: "laurel". Se você estiver se preparando para um vestibular, anote aí: significa "prêmio, homenagem que se concede ao talento, mérito ou virtude." Apesar disso, Mussa também aponta este como um dos sambas-enredo mais bonitos deste ano. "É belíssimo."
A última escola a desfilar será a Mangueira. A tradicional verde-e-rosa tem como enredo a "Música do Brasil". Ritmos regionais, influências estrangeiras, modismos, quase tudo estará no desfile da Mangueira. Há referências a músicos como Braguinha, Dorival Caymmi e Chico Buarque. Num enredo rico como esse, fica difícil achar um defeitinho. Tem o nosso respeito.
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