Comemorações do aniversário do arquiteto, no dia 15, incluem inaugurações no Brasil e no exterior, festa e até lançamento de um samba - composto por ele
Célia Abend
(Marcelo Tabach)
“Minha agenda está sempre cheia: é impossível atender a esta gente no meu horário de trabalho. O desenho me ocupa o tempo todo"
Este ano não vai ser igual àquele que passou para o arquiteto Oscar Niemeyer. Diferente do aniversário passado, comemorado de forma discreta, por causa da recuperação das duas cirurgias a que se submeteu dois meses antes, seus 103 anos de vida serão celebrados a partir da próxima quarta-feira com importantes eventos. Nem todos eles ligados ao mundo da arquitetura, diga-se de passagem. Dedicado ao extremo aos projetos que aceita pelo mundo todo, Niemeyer ainda encontra tempo e disposição para realizar outras atividades, como estudar cosmologia, editar uma revista de arquitetura, arte e cultura, ler. Quando se viu impossibilitado de fazer tudo isso, imobilizado numa cama de CTI, juntou-se com o enfermeiro que cuidava dele e fez a letra do samba Tranquilo com a vida.
As comemorações começam no dia 15, data de seu nascimento, às 11h, em Niterói, onde o prefeito Jorge Roberto Silveira, amigo de longa data, inaugura com o arquiteto a sede da fundação que leva seu nome e que integra o Caminho Niemeyer, projeto que tem absorvido a maior parte de seu tempo. No mesmo dia está previsto o lançamento da oitava edição da Revista Nosso Caminho, criada há dois anos e editada a quatro mãos com a mulher e principal assistente, Vera Lúcia, com quem comemora na mesma data quatro anos de casado. Enão faltará o tradicional almoço com a família e amigos.
A data também não passará em branco para os clientes e admiradores da obra do arquiteto fora do Brasil. No dia 15, a cidade espanhola de Avilés, nas Astúrias, verá a inauguração do Centro Niemeyer, espaço cultural que pretende se igualar em importância aos maiores do mundo, com uma programação digna de tanto: ali se realizará a conferência inaugural do novo programa de educação e cultura das Nações Unidas, cuja sede, em Nova York, foi projetada por Niemeyer, há 63 anos.
O centro cultural é considerado o principal projeto de Oscar Niemeyer na Europa, mas na lista de trabalhos em andamento no escritório do arquiteto, em Copacabana, no Rio, destacam-se também a Biblioteca dos Países Árabes e da América do Sul, na Argélia, o Museu de Arte Contemporânea de Ponta Delgada, nos Açores, o Porto da Música, teatro para 2 mil pessoas em Rosário (Argentina), a reforma do prédio da Brahma, no Sambódromo carioca, e o aquário do Complexo Educacional e Turístico de Búzios, na Região dos Lagos fluminense.
Apaixonado pela cidade histórica de Petrópolis, na região serrana do Estado, onde costuma passar finais de semana hospedado em casa de amigos, Oscar ainda aceitou um novo desafio: o de desenhar um templo católico em Itaipava, que não será grande como uma igreja nem pequeno como uma capela, conforme adiantou aos mais próximos.
Rotina - Niemeyer desafia o tempo e as regras da longevidade. Trabalha em média oito horas por dia em seu escritório. Ali, depois de almoçar em casa, recebe clientes, visitantes ilustres, desenha, discute os trabalhos com a equipe. “Minha agenda está sempre cheia: é impossível atender a esta gente no meu horário de trabalho. O desenho me ocupa o tempo todo”, conta ele, em entrevista _ por e-mail _ ao site de VEJA. Nesse período, ainda arranja tempo e disposição para se dedicar a atividades diversas, que considera fundamentais para manter-se atualizado. Estuda cosmologia com o físico Luiz Alberto Oliveira, em reuniões que costumam ocorrer às terças-feiras; lê; produz a revista Nosso Caminho, sobre arquitetura, arte e cultura. No Carnaval deste ano, homenageado pela Banda de Ipanema, emprestou seu traço para a camiseta oficial dos foliões.
Sua longevidade e disposição não exigem sacrifícios em nome da saúde. Come de tudo, até ovo frito, mas moderadamente. Fumou cigarrilhas há até três meses atrás. Faz fisioterapia para manter o corpo flexível e consulta regularmente o médico. Usa cadeira de rodas para se locomover em situações que exigem esforço maior, mas faz questão de caminhar pelo escritório e pela casa e de manter o gesto cavalheiro de se levantar para cumprimentar uma mulher. Sai para jantar duas vezes por semana, no restaurante preferido, o Terzetto, em Ipanema, onde tem mesa cativa.
“Ele está sempre arrumando sarna pra se coçar”, brinca o engenheiro José Carlos Sussekind, amigo muito próximo, ao procurar explicação para tanto dinamismo. A mulher, Vera Lúcia,conta que, nestes mais de 30 anos de convivência, aprendeu a admirá-lo não só como profissional, mas como pai, avô e amigo. “Coerente com suas ideias, preocupado permanentemente com os menos favorecidos, Oscar surpreende a todos por sua lucidez, sua capacidade de manter uma notável vigilância crítica em relação ao mundo da política”, comenta ela, lembrando uma de suas maiores paixões.
Desafio ao tempo - Niemeyer desafia o tempo também no terreno das ideias. Orgulha-se de não ter mudado nem um milímetro sus convicções políticas ao longo da vida. Comunista convicto até hoje, acompanha o noticiário e se preocupa com os problemas mundiais, como a crise europeia, que classifica como “crise do capitalismo”, e com o cenário político na América Latina, no qual vê a necessidade "responder às ameaças do imperialismo norte-americano". Admirador do presidente Lula, dedicou sua atenção quase exclusivamente à campanha eleitoral. Feliz com o resultado, diz esperar que Dilma Rousseff continue o trabalho social de Lula, “um dos grandes presidentes que o Brasil já conheceu”.
Bom humor também parece fazer parte da rotina do arquiteto. Na cama do hospital, no ano passado, decidiu compor a letra de um samba com seu enfermeiro, para matar o tempo. O samba, que tem o sugestivo nome de “Tranquilo com a vida”, foi gravado pelo músico Edu Krieger e também será lançado na próxima semana, em comemoração ao aniversário do gênio. Animado com a incursão pela música, Niemeyer comprou um piano, para “batucar e passar o tempo quando a vida está muito chata”, conforme contou aos amigos. Mas não pretende levar a novidade a sério: “tenho consciência que sou um compositor bissexto”, reconhece.
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