21 de maio de 2010
Por Marco Túlio Pires
A criação da vida ainda é um mistério. "Temos as peças mas ainda falta o manual de instruções" (Foto: Divulgação Science)
O desenvolvimento do primeiro genoma completo sintético em laboratório, anunciado ontem pelo biólogo J. Craig Venter e sua equipe, não é a criação da vida. O meio científico ainda terá que continuar perseguindo esta idéia, se quiser realmente assumir a função de "Deus". Contudo, o resultado das pesquisas do J. Craig Venter Institute (JCVI) coloca o homem bem perto desta posição, pois será possível programar organismos vivos com funções específicas, utilizando material hereditário sintético produzido em laboratório.
A criação da vida, contudo, ainda é um mistério. Para o professor de engenharia biomédica da Universidade de Boston, Jim Collins, "temos as peças mas ainda falta o manual de instruções". Ele faz uma analogia para explicar o significado da descoberta de Venter: "Imagine uma situação em que os cientistas pudessem programar genes e células que se reproduzissem e formassem um coração 'sintético' perfeitamente saudável, salvando a vida de um paciente que precisasse de um transplante. O transplantado não seria considerado um organismo sintético ou uma forma de vida artificial. Ele seria visto como um indivíduo sortudo com um coração sintético".
Segundo ele, o organismo criado pela equipe de Venter é como o transplantado que se recuperou, só que, ao invés do coração, o genoma é que foi sintetizado. Na opinião de Collins, os cientistas não têm conhecimento suficiente sobre biologia para criar vida. Embora o Projeto Genoma tenha expandido a "lista de peças" das células, não teríamos o manual de instrução para saber como montá-las de modo a produzir uma célula viva. "É como se quiséssemos montar um avião olhando apenas para a lista de peças, ou seja, impossível", finalizou Collins.
O geneticista da escola de medicina da Harvard, George Church, concorda. "Imprimir uma cópia de um texto escrito em uma língua desconhecida não significa compreendê-la". O especialista disse que a ciência já domina a técnica de produzir DNA sintético e de como fazê-lo funcionar nas células. Outro grande desafio agora é entender quais partes das células ajudam o DNA a funcionar.
Riscos – Enquanto tenta desvendar os mistérios da criação da vida, o meio científico agora terá que se preocupar também com as implicações éticas e teológicas do feito de Venter. Mark Bedau, professor de filosofia da Reed College, nos Estados Unidos, destaca que o genoma possui informações hereditárias que controlam todas as funções e estruturas da célula.
Para ele, a habilidade de sintetizar materiais genéticos completos trazem grandes responsabilidades. "Ninguém sabe quais são as consequencias de fabricar novos organismos vivos". Ele alerta que a análise de risco e as precauções tomadas pelos cientistas terão que ser cada vez maiores.
Martin Fussenegger, professor de biotecnologia e bioengenharia da universidade ETH em Zurique, na Suiça, explica que o esforço tecnológico de Venter faz avançar a engenharia genética a organismos que até então eram impossíveis de serem modificados. Porém, o cientista lembra que os limites da natureza ainda se aplicam. "Venter disse que passamos da era de ler o código genético para a era de escrevê-lo. Mas, ninguém sabe se o que será escrito fará algum sentido".
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